terça-feira, 21 de junho de 2011

*O paciente por ele mesmo*

'Psique abrindo a caixa de Afrodite' - William Watterhouse

Assim como qualquer outra adolescente aos 19 anos tinha uma vida normal. Trabalhava, saía com as amigas, paquerava, enfim, vivia de uma maneira tranqüila e sem grandes preocupações. Eu era uma pessoa bastante sossegada e um pouco tímida também, mas nada que comprometesse a minha vida social. Acalentava grandes sonhos e o desejo de fazer desta minha juventude uma época que eu não pudesse ter nenhum arrependimento.

Fazia três anos que eu trabalhava em um escritório de advocacia, por isso via que já estava na hora de buscar os meus objetivos. Resolvi então procurar uma qualificação profissional. Entrei num curso de informática e comecei a fazer um cursinho pré-vestibular para poder ingressar em uma faculdade. Neste ínterim eu estava à procura de um novo emprego no qual eu pudesse me desenvolver mais e ter um plano de carreira, para que eu pudesse custear os meus estudos tranquilamente, uma vez que eu trabalhava em um escritório pequeno e sem muitas chances de um êxito profissional.

Eu estava muito contente com o que eu vinha conquistando aos poucos. Estava no caminho certo para realizar os meus objetivos.

Então, após a minha jornada de trabalho, ia direto para o cursinho e chegava tarde da noite em casa, aos sábados também após o trabalho ia para o curso de informática.

O ano de 2000 estava sendo bastante intenso para mim, mas eu estava gostando, pois via que eu estava criando a liberdade de fazer aquilo que eu queria.

Porém, foi em meio a todos esses acontecimentos que a doença se manifestou na minha vida. A princípio surgiu uma alergia na região das pernas, mas não soube a sua causa. Logo depois comecei a sentir fortes dores no joelho e nos pés, seguido de um quadro de febres altas diariamente até ficar internada por dois meses em um hospital realizando exames e sendo observada.

Foi a pela primeira vez que fiquei internada em um hospital. No começo não foi fácil me adaptar ao ambiente hospitalar, pois nunca havia ficado longe da minha família, mas logo pude fazer amizade com companheiras de quarto, enfermeiras, funcionários e parentes das pessoas internadas. Hoje posso dizer que foi uma experiência um tanto enriquecedora.

Após esse período, recebi alta com o diagnóstico de Lupus Eritematoso Sistêmico (LES), uma doença inflamatória de causa desconhecida e que em casos crônicos leva a atrofia das mãos.

Nasci numa família budista e prático a religião desde pequena. Sempre soube que estamos sujeitos aos impasses da vida e o importante é não sermos derrotados por eles, por isso fortaleci ainda mais a minha fé. A doença não seria um obstáculo.

Comecei o tratamento e três anos depois as fortes dores nas articulações voltaram. Eu tinha muita dificuldade de andar devido ao inchaço provocado pelos remédios. Troquei de médico, realizei novos exames e descobri que na realidade eu tinha Artrite Reumatóide, não Lupus. A Artrite Reumatóide é uma doença crônica de causa também desconhecida que tem como característica inflamação articular persistente.

A essa altura, a doença estava num alto grau de inflamação, eis o grande motivo das fortes dores nas articulações e muita febre. Também surgiram alguns nódulos reumáticos em meu corpo. Tinha noites que eu não conseguia dormir de tanta dor. Não encontrava uma posição na cama que aliviasse o meu sofrimento. O diagnóstico preciso tardio levou a atrofia das minhas pernas e, conseqüentemente, a cadeira de rodas.

Logo iniciei o tratamento psicológico que me ajudou também a entender a doença e ter uma melhor qualidade de vida, ajudando-me a encarar uma nova realidade de usar uma cadeira de rodas. A terapia está sendo bastante importante neste meu processo de adaptação.

A minha rotina diária mudou bastante. Neste momento passaram a fazer parte da minha vida acompanhamento médico, fisioterapia e terapia. Sou uma pessoa de muita fé e bastante otimista e sei que a minha melhora depende principalmente de mim, mas também sei que é muito importante aliar a minha fé à ciência.

Hoje vou à faculdade de transporte especial e retorno para a casa de transporte público, muitos dos quais ainda não estão totalmente adaptados ou devidamente adequados para as pessoas com deficiência física.

Chegou um momento que eu vi que poderia romper os meus limites e dar continuidade a minha vida normalmente mesmo agora como cadeirante. Era hora de eu encarar os receios de estar numa cadeira de rodas e me incluir totalmente na sociedade novamente. Então, decidi reacender o sonho de cursar uma faculdade. Foi com a minha forte determinação que através do ProUni (Universidade para Todos) eu consegui uma bolsa de estudos integral no curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda em uma universidade particular

Desde que iniciei a faculdade, sabia que poderia enfrentar algumas dificuldades por causa da minha mobilidade reduzida, porém determinei não ser derrotada por elas.

Então, a partir do momento em que eu tinha a escolha entre desistir ou encarar a realidade de voltar de transporte público quando eu passei a estudar à noite, a minha decisão já era certa: enfrentaria tudo o que eu tivesse de enfrentar sem jamais desistir do meu objetivo e estou vencendo as dificuldades, uma a uma. Aliás, estou cursando o meu último ano da faculdade. E muito desta minha coragem eu também devo aos meus pais que me dão apoio incondicional para eu realizar este meu objetivo. Inclusive um ou outro vai comigo à faculdade e me aguarda até o final da aula. Isto eu não tenho nem como agradecer a eles.

Uma das minhas paixões também é a dança, assim como a música. Mesmo na cadeira de rodas eu pude romper mais uma vez os meus limites entrando num grupo de dança para cadeirante. Dançar é uma forma de eu poder me expressar levando às pessoas não só esta maravilhosa arte, mas de mostrar a minha alegria de viver e de que eu posso fazer muito mais, não importando a minha situação física. Certamente a dança também é uma aliada ao meu tratamento médico.

Com todas as oportunidades que estão se abrindo às pessoas com necessidades especiais pude retornar ao mercado de trabalho com todos os direitos de um trabalhador comum e sei que ainda posso alçar grandes vôos.

Não estaria sendo verdadeira se eu dissesse que tudo está sendo fácil na minha vida, muito pelo contrário. Claro que um dos meus maiores objetivos hoje é o de voltar a andar e sei que isto ainda é possível. Mas aprendi que independentemente da dificuldade de me locomover, sou capaz de fazer o que eu desejo por meio da imensa vontade que tenho de vencer qualquer obstáculo. É um exercício diário, ou seja, tenho de buscar esta força constantemente. Com perseverança e coragem eu consigo desfrutar grandes benefícios.

Percebi que em todo este meu processo, além da religião e do tratamento médico, a presença da minha família e dos meus amigos está sendo fundamental. Fortaleci antigas amizades e cultivei novos e importantes amigos que estão convivendo comigo neste momento essencial da minha vida.

Vejo a minha vida hoje como uma fase de grandes conquistas e de grande aprimoramento pessoal e agradeço por praticar o budismo e compreender que a nossa verdadeira felicidade deve ser extraída de dentro de nós e a psicoterapia me ajuda a enxergar isto melhor ainda.

Nós somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade ou infelicidade. Eu decidi SER FELIZ independente da situação.

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