Os desafios da função terapêutica e a tentativa da superação.
Dizer o incomunicável, compreender o incompreensível. Tais são os desafios que vinculam paciente e terapeuta. Dor compartilhada, freqüentemente recusada, negada, que remete cada um de nós ao seu desamparo mais fundamental. Fadiga algumas vezes temperada, para um, pelo alívio, temporário ou duradouro de um sintoma, de uma doença; para outro, pela satisfação da compreensão, da descoberta, pelo prazer do trabalho bem feito. Em grego, therapéuö significa “eu cuido”. Na Grécia Antiga, o thérareutér era antes de tudo aquele que se colocava junto àquele que sofre, compartilhando da experiência da doença do paciente com vistas a poder compreendê-la, para, só então, a partir dessa posição com relação ao doente, mobilizar seus conhecimentos e sua arte de cuidar, sem saber se poderia realmente curar.
O conhecimento, a técnica e a experiência acumulados ao longo dos séculos na tentativa de compreensão e de tratamento das diferentes formas de manifestações do sofrimento humano são, sem dúvida, essenciais para aliviar tais manifestações. Mas esses elementos pressupõem, antes de tudo, uma capacidade de entrar em contato com a experiência mais essencial do indivíduo que apresenta sua queixa, o órgão lesado, o desequilíbrio revelado pelos exames clínicos. Assim compreendida, percebemos que, em seu íntimo, a função terapêutica resgata uma experiência primordial que nos constitui, que todos compartilham, aquela que marca nossas origens, sem a qual nossa existência e nosso desenvolvimento não teriam sido possíveis. A experiência de nosso desamparo primitivo que, para se superado, necessitou o exercício, pelo outro, da função materna.
Diante do paciente, principalmente daqueles cujos recursos representativos limitam sua capacidade de perceber e comunicar seu sofrimento, que podem apenas reconhecer a realidade concreta da lesão corporal ou da dor, diante deles, como perceber, tornar acessível, o sofrimento que não encontra outros meios para se expressar? Como lhe propiciar os recursos que permitiram pensar, elaborar esse sofrimento, favorecendo talvez, dessa forma, a preservação ou o resgate da integridade de seu organismo ameaçado de regressões e de desorganizações, muitas vezes graves e irreversíveis?
Apesar de todos os progressos, teóricos tecnológicos, a clínica confronta permanentemente o terapeuta com os limites de sua compreensão e de seus recursos. Fazem parte de nosso cotidiano novas manifestações patológicas e variações daquelas já conhecidas, sintomas e dores refratários a tratamentos antes considerados eficazes, o aumento da incidência de doenças ligadas ao modo de vida corrente em nossa civilização. Esses elementos convidam à reflexão sobre os postulados sobre os quais são construídas tanto a compreensão das doenças como as estratégias para tratá-las: O que falta?
O adoecer desencadeia experiências de dor, de ferimentos, de mutilações, físicas sem dúvida, algumas vezes de degeneração e de morte. Ele suscita também à angústia, os medos, a depressão, as perdas relacionadas com essas experiências. Esses afetos são vividos não apenas pelo paciente, mas são também mobilizados no terapeuta e na família. Eles constituem a dimensão transferencial e contratransferencial da relação terapêutica, em torno da qual circulam as emoções mobilizadas por esse encontro.
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