terça-feira, 21 de junho de 2011

*Ética:Instrumento para a Clínica Psicológica* A reflexão sobre a ética como um subsídio para a escuta e manejo clínicoo

“A reflexão sobre ética como um subsídio para escuta e manejo clínico”




Após um certo tempo trabalhando com a clínica, ouvindo os pacientes(...), comecei a perceber em mim a sensação de estar vendo uma cena como a de um filme, quando eles descreviam um acontecimento em suas vidas, ora triste (na maioria das vezes), ora alegre ou até engraçado. Num filme, rimos, nos emocionamos ou tememos, dependendo da situação mostrada. No caso do paciente na clínica não há equipe de produção, equipamento ou câmeras. O foco, a fotografia da cena são os olhos e os sentimentos do paciente, e à medida que nos percebemos na cena desenhada por ele, podemos sentir o impacto, a dor, a alegria, etc. Contudo, a nós nos cabe movimentar-se, explorar os detalhes, olhar para os outros personagens da cena contada, temos que ter mobilidade, agilidade, um olhar treinado, um ouvido aguçado e acima de tudo, sensibilidade e delicadeza. E temperando tudo, racionalidade e equilíbrio.

Apesar do pouco conhecimento que tenho do trabalho de um diretor de cinema, imagino que exerça uma função parecida com a nossa numa cena descrita por nosso paciente. Nossa câmera e equipamentos são a teoria e a técnica, nela estão contidos nosso script e roteiro e fazem parte essencial da formação de um psicoterapeuta. E aí vão variar os estilos do diretor: psicanálise, behaviorismo, analíticas, etc. O bom manejo desses roteiros é fundamental e vai exigir permanente busca e estudo. Até aqui procurei fazer uma analogia entre o trabalho de um diretor de cinema e o trabalho do psicólogo e nesta empreitada se faz necessário observarmos as diferenças entre os dois profissionais. No caso do diretor, quanto mais conceituado for, mais ele disporá de condições para realizar uma grande produção. Desse modo, poderá escolher grandes atores, excelentes equipes e equipamentos de última geração, mega instalações e tudo mais que imagino ser necessário. Já no caso do psicólogo, são os “atores” que escolhem o diretor e isso faz toda diferença porque são esses mesmos atores que o lançarão em histórias, as mais variadas, únicas e inesperadas. Geralmente são do gênero drama, mas não devemos nos enganar, acontece de tudo e quando somos convidados por eles, há sempre uma expectativa que nós possamos conduzir o roteiro para um final feliz e do tipo “viveram felizes para sempre” e tudo mais. E é neste ponto que ser um bom profissional e manejar muito bem teoria e técnica não bastam, nem para o diretor de cinema e nem para o psicólogo.

Quando falei de sensibilidade e delicadeza entre outras coisas para estar na cena descrita pelo paciente, estava pensando em algo mais que conhecimento teórico-técnico, mais algo como o manejo ético das situações, pois sem isso corremos o risco de nos tornar mais um personagem que se coloca ao lado do “mocinho(a)” ou acabar lutando contra os moinhos de vento, feito Dom Quixote e seu companheiro Sancho Pança ou qualquer outro personagem mais moderno.

O estudo e a reflexão da ética nos permitem construir um olhar e uma escuta das mais refinadas, nos dando leveza e equilíbrio quando o paciente-ator do drama de sua vida nos descrever uma cena onde ele foi agredido e vituperado brutalmente, fazendo-o curvar-se de dor bem diante dos nossos olhos. Nestes momentos a impassibilidade (indiferença à dor ou aos desgostos) não é nem de longe, o que se espera do psicólogo. No caso de algumas abordagens, a neutralidade e a assertividade, muitas vezes, são revestidas dessa impassibilidade. Ao meu ver, a ética permite-nos mantermo-nos firmes diante da dor do paciente, sem nos defendermos atrás de uma frieza técnica e teoricamente justificada. A ética fará com que nos postemos ao lado dele, dentro da cena, como que segurando sua mão, assegurando-lhe nossa presença, permitindo que sinta que fomos sua testemunha.

A ética ajuda a dar um tônus diferente para o vínculo terapêutico. Aqui cabe um pequeno parêntesis para uma definição de ética que a tire da concepção que temos do senso comum, pois, chamamos de ética, qualquer atitude educada que temos. Não que civilidade não esteja incluída na dimensão da Ética, mas quero ressaltar que o que estou propondo como instrumento essencial na prática clínica, exige um conhecimento mais aprofundado dessa área do saber filosófico. Para nos situar, vejamos uma definição do que é Ética num dicionário de filosofia: “No sentido próprio, ética é uma disciplina filosófica cujo objeto são os juízos de apreciação quando se aplicam à distinção do bem e do mal. Teoria geralmente vinculada a uma busca metafísica, distingue-se da moral aplicada”. A partir desta definição, é possível termos uma idéia da amplitude e da complexidade do objeto da ética, pois o bem e o mal são as duas faces do humano e a liberdade é que equilibra as duas, por isso a importância da ética para o trabalho clínico.

Por : Susy de Oliveira Amorim de Campos (29/01/2010)

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