segunda-feira, 27 de junho de 2011

*O paciente por ele mesmo*

A vida é uma arte.

Alguns meses atrás, eu não sabia administrar a arte de viver, na verdade, eu não vivia, vegetava. Não tinha ânimo, sem disposição para o trabalho e estudos, todo o resto que estava voltando à minha vida. Passei por muitas turbulências, não conseguia comer, dormir, tomar banho, a vida tinha se transformado em um caos, por isso, comecei a perceber que havia algo muito errado comigo. Então, procurei ajuda profissional com tratamento psicológico e psiquiátrico. Depositei as esperanças e forças que restavam no meu tratamento e com o tempo fui percebendo que só existia esse caminho para mim.

Atualmente, graças a Deus, aos médicos, aos familiares, amigos, à minha dedicação e empenho, estou a cada dia renascendo, vivendo, aprendendo a me amar, me aceitar do jeito que sou. Encontrei o medicamento certo, estou na terapia há um ano e só tenho a agradecer por todas as coisas maravilhosas que estão acontecendo no meu cotidiano. Voltei a trabalhar, estou cheia de planos, estou sempre animada, durmo bem, minha alimentação está saudável, estou bem apegada com Deus, a família, as pessoas, etc.

Acredito em mim, no meu potencial, sou inteligente, bonita, esperta, alegre, bem humorada, determinada, persistente, etc. Hoje, vejo as minhas qualidades e aceito os meus defeitos. A mudança de encarar a minha doença foi a melhor decisão que tomei até hoje. Com esta decisão tenho qualidade de vida e sou feliz!

Agradecimentos

Agradeço a Deus, ao meu psiquiatra Rodrigo que sempre teve fé na minha cura, a minha psicóloga Simone que me ajuda, apóia e tem muita paciência; aos familiares e amigos.

Obrigada por esta oportunidade

03/12/2010 F.M.L.

*Novos vínculos em Psicopatologia* Os desafios da função terapêutica e a tentativa de superação

Os desafios da função terapêutica e a tentativa da superação.



Dizer o incomunicável, compreender o incompreensível. Tais são os desafios que vinculam paciente e terapeuta. Dor compartilhada, freqüentemente recusada, negada, que remete cada um de nós ao seu desamparo mais fundamental. Fadiga algumas vezes temperada, para um, pelo alívio, temporário ou duradouro de um sintoma, de uma doença; para outro, pela satisfação da compreensão, da descoberta, pelo prazer do trabalho bem feito. Em grego, therapéuö significa “eu cuido”. Na Grécia Antiga, o thérareutér era antes de tudo aquele que se colocava junto àquele que sofre, compartilhando da experiência da doença do paciente com vistas a poder compreendê-la, para, só então, a partir dessa posição com relação ao doente, mobilizar seus conhecimentos e sua arte de cuidar, sem saber se poderia realmente curar.

O conhecimento, a técnica e a experiência acumulados ao longo dos séculos na tentativa de compreensão e de tratamento das diferentes formas de manifestações do sofrimento humano são, sem dúvida, essenciais para aliviar tais manifestações. Mas esses elementos pressupõem, antes de tudo, uma capacidade de entrar em contato com a experiência mais essencial do indivíduo que apresenta sua queixa, o órgão lesado, o desequilíbrio revelado pelos exames clínicos. Assim compreendida, percebemos que, em seu íntimo, a função terapêutica resgata uma experiência primordial que nos constitui, que todos compartilham, aquela que marca nossas origens, sem a qual nossa existência e nosso desenvolvimento não teriam sido possíveis. A experiência de nosso desamparo primitivo que, para se superado, necessitou o exercício, pelo outro, da função materna.

Diante do paciente, principalmente daqueles cujos recursos representativos limitam sua capacidade de perceber e comunicar seu sofrimento, que podem apenas reconhecer a realidade concreta da lesão corporal ou da dor, diante deles, como perceber, tornar acessível, o sofrimento que não encontra outros meios para se expressar? Como lhe propiciar os recursos que permitiram pensar, elaborar esse sofrimento, favorecendo talvez, dessa forma, a preservação ou o resgate da integridade de seu organismo ameaçado de regressões e de desorganizações, muitas vezes graves e irreversíveis?

Apesar de todos os progressos, teóricos tecnológicos, a clínica confronta permanentemente o terapeuta com os limites de sua compreensão e de seus recursos. Fazem parte de nosso cotidiano novas manifestações patológicas e variações daquelas já conhecidas, sintomas e dores refratários a tratamentos antes considerados eficazes, o aumento da incidência de doenças ligadas ao modo de vida corrente em nossa civilização. Esses elementos convidam à reflexão sobre os postulados sobre os quais são construídas tanto a compreensão das doenças como as estratégias para tratá-las: O que falta?

O adoecer desencadeia experiências de dor, de ferimentos, de mutilações, físicas sem dúvida, algumas vezes de degeneração e de morte. Ele suscita também à angústia, os medos, a depressão, as perdas relacionadas com essas experiências. Esses afetos são vividos não apenas pelo paciente, mas são também mobilizados no terapeuta e na família. Eles constituem a dimensão transferencial e contratransferencial da relação terapêutica, em torno da qual circulam as emoções mobilizadas por esse encontro.

Por: Simone Francisca

sábado, 25 de junho de 2011

Editorial da 2ª Edição

'Anjo pairando no sol' - William Turner


É com enorme satisfação que apresentamos a você, leitor, a segunda edição da Revista Ecos.

Como todo caminho, todo passo, todo sonho, nós cada vez mais ousamos ultrapassar nossas próprias fronteiras em busca do conhecimento e da satisfação da sensação de compartilhamento de idéias e a auto permissão de expressá-las.

E falando em permissão, sempre nossa temida aliada, vem à mente uma citação maravilhosa do filme ‘Coach Carter: Treino para a vida’, sobre um treinador de basquete de uma escola pública americana que deseja e luta para que seus alunos tenham um futuro de verdade, além das ruas, do crime, da prisão e do próprio basquete, e o filme é baseado em fatos reais... Enfim, a fala que quero citar aqui é dita pelo personagem Cruz no filme , citando Nelson Mandela.


“Nosso medo mais profundo não é sermos inadequados. Nosso medo mais profundo é sermos poderosos além da conta. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos assusta. Ser pequeno não serve ao mundo. Não há nada de sábio em se encolher para que as pessoas não se sintam insegura a nossa volta. Todos nós fomos feitos para brilhar como as crianças. Não está apenas em alguns, está em todos. Quando deixamos nossa luz brilhar, inconscientemente damos a permissão para que os outros façam o mesmo. Conforme nos libertamos dos nossos medos, nossa presença automaticamente libera os outros.”


Com os textos de nossa equipe, além de praticar a ação de escrever por nós mesmos (não apenas repetindo os grandes autores), mas dando nossa própria opinião, queremos também que você leitor, profissional ou estudante, compartilhe sua luz, sua experiência e suas idéias com o mundo.

É com esse otimismo que oferecemos a vocês um pouco do nosso brilho...


A Edição

terça-feira, 21 de junho de 2011

*O paciente por ele mesmo*

'Psique abrindo a caixa de Afrodite' - William Watterhouse

Assim como qualquer outra adolescente aos 19 anos tinha uma vida normal. Trabalhava, saía com as amigas, paquerava, enfim, vivia de uma maneira tranqüila e sem grandes preocupações. Eu era uma pessoa bastante sossegada e um pouco tímida também, mas nada que comprometesse a minha vida social. Acalentava grandes sonhos e o desejo de fazer desta minha juventude uma época que eu não pudesse ter nenhum arrependimento.

Fazia três anos que eu trabalhava em um escritório de advocacia, por isso via que já estava na hora de buscar os meus objetivos. Resolvi então procurar uma qualificação profissional. Entrei num curso de informática e comecei a fazer um cursinho pré-vestibular para poder ingressar em uma faculdade. Neste ínterim eu estava à procura de um novo emprego no qual eu pudesse me desenvolver mais e ter um plano de carreira, para que eu pudesse custear os meus estudos tranquilamente, uma vez que eu trabalhava em um escritório pequeno e sem muitas chances de um êxito profissional.

Eu estava muito contente com o que eu vinha conquistando aos poucos. Estava no caminho certo para realizar os meus objetivos.

Então, após a minha jornada de trabalho, ia direto para o cursinho e chegava tarde da noite em casa, aos sábados também após o trabalho ia para o curso de informática.

O ano de 2000 estava sendo bastante intenso para mim, mas eu estava gostando, pois via que eu estava criando a liberdade de fazer aquilo que eu queria.

Porém, foi em meio a todos esses acontecimentos que a doença se manifestou na minha vida. A princípio surgiu uma alergia na região das pernas, mas não soube a sua causa. Logo depois comecei a sentir fortes dores no joelho e nos pés, seguido de um quadro de febres altas diariamente até ficar internada por dois meses em um hospital realizando exames e sendo observada.

Foi a pela primeira vez que fiquei internada em um hospital. No começo não foi fácil me adaptar ao ambiente hospitalar, pois nunca havia ficado longe da minha família, mas logo pude fazer amizade com companheiras de quarto, enfermeiras, funcionários e parentes das pessoas internadas. Hoje posso dizer que foi uma experiência um tanto enriquecedora.

Após esse período, recebi alta com o diagnóstico de Lupus Eritematoso Sistêmico (LES), uma doença inflamatória de causa desconhecida e que em casos crônicos leva a atrofia das mãos.

Nasci numa família budista e prático a religião desde pequena. Sempre soube que estamos sujeitos aos impasses da vida e o importante é não sermos derrotados por eles, por isso fortaleci ainda mais a minha fé. A doença não seria um obstáculo.

Comecei o tratamento e três anos depois as fortes dores nas articulações voltaram. Eu tinha muita dificuldade de andar devido ao inchaço provocado pelos remédios. Troquei de médico, realizei novos exames e descobri que na realidade eu tinha Artrite Reumatóide, não Lupus. A Artrite Reumatóide é uma doença crônica de causa também desconhecida que tem como característica inflamação articular persistente.

A essa altura, a doença estava num alto grau de inflamação, eis o grande motivo das fortes dores nas articulações e muita febre. Também surgiram alguns nódulos reumáticos em meu corpo. Tinha noites que eu não conseguia dormir de tanta dor. Não encontrava uma posição na cama que aliviasse o meu sofrimento. O diagnóstico preciso tardio levou a atrofia das minhas pernas e, conseqüentemente, a cadeira de rodas.

Logo iniciei o tratamento psicológico que me ajudou também a entender a doença e ter uma melhor qualidade de vida, ajudando-me a encarar uma nova realidade de usar uma cadeira de rodas. A terapia está sendo bastante importante neste meu processo de adaptação.

A minha rotina diária mudou bastante. Neste momento passaram a fazer parte da minha vida acompanhamento médico, fisioterapia e terapia. Sou uma pessoa de muita fé e bastante otimista e sei que a minha melhora depende principalmente de mim, mas também sei que é muito importante aliar a minha fé à ciência.

Hoje vou à faculdade de transporte especial e retorno para a casa de transporte público, muitos dos quais ainda não estão totalmente adaptados ou devidamente adequados para as pessoas com deficiência física.

Chegou um momento que eu vi que poderia romper os meus limites e dar continuidade a minha vida normalmente mesmo agora como cadeirante. Era hora de eu encarar os receios de estar numa cadeira de rodas e me incluir totalmente na sociedade novamente. Então, decidi reacender o sonho de cursar uma faculdade. Foi com a minha forte determinação que através do ProUni (Universidade para Todos) eu consegui uma bolsa de estudos integral no curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda em uma universidade particular

Desde que iniciei a faculdade, sabia que poderia enfrentar algumas dificuldades por causa da minha mobilidade reduzida, porém determinei não ser derrotada por elas.

Então, a partir do momento em que eu tinha a escolha entre desistir ou encarar a realidade de voltar de transporte público quando eu passei a estudar à noite, a minha decisão já era certa: enfrentaria tudo o que eu tivesse de enfrentar sem jamais desistir do meu objetivo e estou vencendo as dificuldades, uma a uma. Aliás, estou cursando o meu último ano da faculdade. E muito desta minha coragem eu também devo aos meus pais que me dão apoio incondicional para eu realizar este meu objetivo. Inclusive um ou outro vai comigo à faculdade e me aguarda até o final da aula. Isto eu não tenho nem como agradecer a eles.

Uma das minhas paixões também é a dança, assim como a música. Mesmo na cadeira de rodas eu pude romper mais uma vez os meus limites entrando num grupo de dança para cadeirante. Dançar é uma forma de eu poder me expressar levando às pessoas não só esta maravilhosa arte, mas de mostrar a minha alegria de viver e de que eu posso fazer muito mais, não importando a minha situação física. Certamente a dança também é uma aliada ao meu tratamento médico.

Com todas as oportunidades que estão se abrindo às pessoas com necessidades especiais pude retornar ao mercado de trabalho com todos os direitos de um trabalhador comum e sei que ainda posso alçar grandes vôos.

Não estaria sendo verdadeira se eu dissesse que tudo está sendo fácil na minha vida, muito pelo contrário. Claro que um dos meus maiores objetivos hoje é o de voltar a andar e sei que isto ainda é possível. Mas aprendi que independentemente da dificuldade de me locomover, sou capaz de fazer o que eu desejo por meio da imensa vontade que tenho de vencer qualquer obstáculo. É um exercício diário, ou seja, tenho de buscar esta força constantemente. Com perseverança e coragem eu consigo desfrutar grandes benefícios.

Percebi que em todo este meu processo, além da religião e do tratamento médico, a presença da minha família e dos meus amigos está sendo fundamental. Fortaleci antigas amizades e cultivei novos e importantes amigos que estão convivendo comigo neste momento essencial da minha vida.

Vejo a minha vida hoje como uma fase de grandes conquistas e de grande aprimoramento pessoal e agradeço por praticar o budismo e compreender que a nossa verdadeira felicidade deve ser extraída de dentro de nós e a psicoterapia me ajuda a enxergar isto melhor ainda.

Nós somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade ou infelicidade. Eu decidi SER FELIZ independente da situação.

*Experiências Profissionais* A prática além da teoria

A PRÁTICA ALÉM DA TEORIA



INTRODUÇÃO.

Muito se tem falado que não há mais grandes pensadores, nem grandes estadistas, nem criadores e muito menos inventores, ou simplesmente homens inteligentes, que desenvolvam grandes e novas teorias, ou criem novas práticas, formulem leis em relação à física, ou a química, medicina, ou em relação às ciências ou as ciências humanas, e quando nos pomos a pensar a respeito, parece que esses homens ficaram nos séculos passados. É como se toda ação tivesse sido desenvolvida nos séculos anteriores e de lá para cá só ficaram as teorias que os grandes homens do passado deixaram.

Em relação a tudo isso, muitos de nós podemos dizer: “Mas nos séculos passados havia necessidades que obrigavam aqueles homens a buscarem e descobrirem novas práticas, pois o mundo como conhecemos hoje, não existia naqueles séculos. Foram esses grandes homens do passado que ajudaram a construí-lo dessa forma, com as suas inteligências, seus inventos, com as suas criações e com as suas postulações.”

Podemos concordar ou não com tudo isso, mas uma coisa é certa: ainda hoje há necessidades que buscamos suprir, não com novos inventos ou criações, mas com práticas baseadas nas teorias resultantes das práticas desenvolvidas pelos grandes homens do passado. E para qualquer criação ou invenção do presente, devemos citar e nos basearmos nas teorias deixadas, e todos os trabalhos têm de ser baseados nessas teorias como se o atual trabalho fosse, nada mais, nada menos, que um ramo ou uma extensão de tudo o que antes, de um modo geral, foi colocado à disposição da humanidade.

Ao pensar nessa fórmula de com é desenvolvido o trabalho nos nossos cotidianos, podemos ver nitidamente não há criação de novos saberes, mas sim a justificativa e/ou a validação, ou ainda a ratificação de saberes que já existem. Em outras palavras, quando desenvolvemos algum trabalho é como se buscássemos testemunhas para justificar ou ratificar o que estamos postulando. É como se precisássemos do aval deles em tudo para que o nosso trabalho seja reconhecido e aceito.

Eu sei que não é isso, mas se pararmos pra pensar, é essa a impressão que vamos ter.

E nesse sentido vamos entrar em outro pensamento bem semelhante aos que foram discutidos até aqui: o pensamento da teoria e da prática. Os debates entre teoria e prática são infindáveis. Os defensores da prática alegam que a teoria é pouco efetiva, uma vez que sua aplicação é sujeita a condições específicas e particulares. Por outro lado, aqueles que defendem a teoria alegam que os conceitos são as verdadeiras fontes do saber e do conhecimento. Muitos escritores as consideram como duas faces da mesma moeda, e chegamos a crer que não existe uma prática sem uma teoria que a defina. Isso aprendemos nas nossas casas de ensino, mas também muitos escritores defendem a tese de que o professor tem como missão principal não o ensinar uma teoria ou uma prática ou as duas juntas, mas ensinar o aluno a pensar, e nesse sentido os professores encontrados ao longo da nossa trajetória acadêmica (não todos), na grande maioria das oportunidades, nos desautorizavam a tentar de uma forma diferente da teoria ou da prática já existente, e acabavam, com isso, nos tornando reféns da maneira pré existente. Mas ao nos depararmos com o outro e suas necessidades, muitas vezes não encontramos nada escrito a respeito daquelas necessidades e temos que criar uma prática, não a partir da teoria, mas sim a partir da necessidade do sujeito, e é isso que pretendo relatar em relação a minha prática enquanto professor de autistas.

Caso:

Em meu primeiro dia de aula, encontrei um garotinho de aproximadamente 9 anos, grande para a sua idade, juntamente com a mãe. Era também o primeiro dia dele naquele horário, pois ele já ficava na parte da manhã com uma outra professora, também psicóloga. Pensei: mudança de horário, de professor, implica mudança de rotina e, conseqüentemente, crise para uma criança autista. A direção da escola, junto com coordenadoria, decidiu deixar a mãe na sala de aula para que a criança não sentisse muito a mudança na rotina. Percebi algumas feridas e marcas no rosto e braços do menino. Perguntei para mãe o que era e a mãe me explicou que ele não suportava o toque de pessoas estranhas e logo que era tocado, ele se beliscava até que o local tocado sangrasse e que ele tinha marcas por todo o corpo. No rosto era quando alguém o beijava.

Tentei interagir, mas ele parecia não me enxergar, porém aos poucos foi me notando e me aceitando. Eu disse à mãe que ela poderia sair, fiquei com ele e correu tudo bem naquele dia. No dia seguinte a mãe estava na sala quando cheguei, e parecia que fazia tudo para que ele não me aceitasse, chegou até tirar um celular e dar para o menino. Ele brincou um pouco com o aparelho e devolveu para mãe, veio perto de mim para ver o que eu estava fazendo, e a mãe se retirou.

No terceiro dia a mãe estava tentando fazer com ele se levantasse do chão quando cheguei, então, derramei uma caixa de brinquedos e me deitei perto dos brinquedos. Ele olhou e logo se levantou, veio e deitou ao meu lado começando a brincar. A mãe se retirou.

Nos dias que se sucederam a mãe não entrou mais na sala e demos continuidade no trabalho, ainda de aproximação. Ele já não se beliscava quando eu o tocava, porém dava muitas pancadas na própria cabeça e emitia um som bem agudo. Aos poucos, consegui com que ele parasse de se estapear. Também ficava bastante curioso quando eu o imitava emitindo o mesmo som que ele fazia, ele olhava para mim e ria (ele não falava).

Depois de algum tempo com ele, comecei as tentativas de integrá-lo com os outros alunos da escola, também com necessidades especiais. Comecei a levá-lo para participar das aulas, e logo ele começou a participar, querendo fazer as tarefas destinadas aos outros alunos, construindo bloquinhos de anotação, perfurando com a máquina, e passando o espiral pelos furos. Além disso, começamos a escrever com as letras de plástico o nome dele e o meu, e todos os dias quando chegávamos na sala ele escrevia os dois nomes. Nas demais tarefas ele desenhava uma figura grande e uma menor e tentava desenhar óculos na figura maior (figuras essas que identificamos como sendo nós dois), depois ele pintava essas figuras e fazia tudo isso sozinho (no principio queria me usar como ferramenta querendo que eu movimentasse a mão dele para a pintura).

Após três semestres juntos todos notavam a evolução da criança, inclusive participando de atividades externas, saindo para lanchonetes, supermercados e andando pelas ruas.

Considerações finais:

Tudo que foi realizado com o aluno saiu das nossas interações, pois nunca li nada a respeito de como trabalhar com autismo, embora tivesse o conhecimento de como se dá o autismo e cheguei até a participar de um curso na AMA (Associação de Amigos do Autista). Na oportunidade pude falar da evolução da criança, mas tudo que eu relatava a professora não acreditava, pois dizia que não se conseguia evolução daquela forma que eu estava descrevendo nem nas escolas deles, que seguiam o método Montessori.

Aqui volto a falar da prática verso teoria, pois naquela instituição o único saber autorizado é o saber das teorias institucionalizadas com pouco ou nenhum espaço para novas tentativas, como foi feito, porém se ser apoiado em saberes pré-existentes.

Não quero dizer que devemos desprezar todas as teorias já existentes, ou ignorar autores já consagrados e que já tiveram seus trabalhos reconhecidos pela sociedade, quero sim dizer que é possível criar novos saberes através de pesquisas desenvolvidas a partir da própria prática, descobrindo assim novas teorias que não teriam como “testemunhas” os autores do passado. Seria mais ou menos como no principio: a teoria sendo escrita a partir da prática.

Por: Osvaldo Antunes de Campos

*Família: Modelos e Interações* Família: Tecendo redes e construindo pontes.

Família: tecendo redes e construindo pontes.



Conforme a proposta inicial de nosso trabalho, o objetivo deste é valorizar nossa atuação na clínica e conseqüentemente, repensar a teoria. Embora não seja terapeuta familiar, sempre convido a família e/ou rede social do cliente para a orientação psicoterapêutica, geralmente quando estes são crianças ou adolescentes.

Esta postura me fornece uma possibilidade ímpar de trabalho, pois o conteúdo observado no espaço terapêutico é trabalhado de maneira coletiva e relacional, incluindo todos os membros da família, delimitando a cada um destes suas responsabilidades, pois passam a se enxergar como co-responsáveis pela relação. É válido lembrar que em alguns casos um dos responsáveis não se conforma com a estada do filho(a) em um processo psicoterapêutico, transferindo para este(a) toda responsabilidade para o seu infortúnio.

'A Família' de Tarsila do Amaral

Sendo assim, alguns pontos norteiam esta orientação, são eles:

· Tornar real a fala do cliente; em vários momentos o cliente não tem sua opinião respeitada, sendo necessário uma intervenção neste sentido;

· Apresentar à família uma nova maneira de rever seus conceitos (maneira dialógica), ou seja, a fala (comunicação) como transformadora da realidade;

· Falar aos familiares que existem maneiras diferentes de resolver seus dilemas, não existindo o certo ou errado, mas sim uma opinião diferente;

· Em alguns casos, “emprestar” a subjetividade para o cliente;

· Construir com estes, novas possibilidades na relação.

O fomento para a orientação dos pais ou responsáveis é sempre discutido com o cliente, para que no passo seguinte surja o trabalho com a família. Este por sua vez ocorre sempre de maneira lúdica, pois desta forma os “adultos” se sentem mais à vontade, possibilitando uma maior (re)visão de seus conteúdos.

Geralmente, estas têm o foco na relação, pois acredito que se fecundas são facilitadores para o desenvolvimento individual.

Da entrevista inicial até a alta, o cliente é o foco da relação terapêutica, sua presença é indispensável em todos os momentos, podendo este me autorizar a falar em sua ausência.

Caso:

A mãe de V. procura a Associação, falando que este em um momento de fúria queria matar o cachorro da família, pois queria seu vídeo game de volta.

Em um encontro com a família e utilizando um jogo colaborativo, todos os filhos puderam falar de seus medos de uma maneira tranqüila. Em uma das perguntas (Em caso de incêndio, o que cada membro de sua família iria retirar da casa?). A responsável pelas respostas (irmã mais velha) falou: Mamãe iria retirar todos, V., o cachorro, I., a bicicleta e papai o computador. Depois de uma breve pausa, todos responderam: É o COMPUTADOR e sorriram. Após minhas considerações todos puderam refletir o porquê da resposta. E esta foi muito significativa para todos.

A partir deste momento ocorreu uma movimentação na relação familiar.

Para os pais de A. a orientação se deu de maneira diferente. Nesta sempre comparecem: o pai, a mãe, a irmã e o cunhado. Ao término de uma sessão, onde o pai chorou muito, pois admitia a maneira indiferente com que tratava a filha, foi necessário respeito, mas não indiferença no momento. Pude falar que A. estava crescendo e que deveria se comportar e assumir responsabilidade como tal, ou seja, sair de casa com documentos, dinheiro da passagem e asseado. Houve um espanto geral, como se não soubessem!

É preciso, no entanto ter a sensibilidade para saber se este tipo de orientação é realizável. Em algumas famílias não é possível tal prática, por falta de habilidade do terapeuta ou disponibilidade afetiva dos membros.

Por: André Luiz

*Ética:Instrumento para a Clínica Psicológica* A reflexão sobre a ética como um subsídio para a escuta e manejo clínicoo

“A reflexão sobre ética como um subsídio para escuta e manejo clínico”




Após um certo tempo trabalhando com a clínica, ouvindo os pacientes(...), comecei a perceber em mim a sensação de estar vendo uma cena como a de um filme, quando eles descreviam um acontecimento em suas vidas, ora triste (na maioria das vezes), ora alegre ou até engraçado. Num filme, rimos, nos emocionamos ou tememos, dependendo da situação mostrada. No caso do paciente na clínica não há equipe de produção, equipamento ou câmeras. O foco, a fotografia da cena são os olhos e os sentimentos do paciente, e à medida que nos percebemos na cena desenhada por ele, podemos sentir o impacto, a dor, a alegria, etc. Contudo, a nós nos cabe movimentar-se, explorar os detalhes, olhar para os outros personagens da cena contada, temos que ter mobilidade, agilidade, um olhar treinado, um ouvido aguçado e acima de tudo, sensibilidade e delicadeza. E temperando tudo, racionalidade e equilíbrio.

Apesar do pouco conhecimento que tenho do trabalho de um diretor de cinema, imagino que exerça uma função parecida com a nossa numa cena descrita por nosso paciente. Nossa câmera e equipamentos são a teoria e a técnica, nela estão contidos nosso script e roteiro e fazem parte essencial da formação de um psicoterapeuta. E aí vão variar os estilos do diretor: psicanálise, behaviorismo, analíticas, etc. O bom manejo desses roteiros é fundamental e vai exigir permanente busca e estudo. Até aqui procurei fazer uma analogia entre o trabalho de um diretor de cinema e o trabalho do psicólogo e nesta empreitada se faz necessário observarmos as diferenças entre os dois profissionais. No caso do diretor, quanto mais conceituado for, mais ele disporá de condições para realizar uma grande produção. Desse modo, poderá escolher grandes atores, excelentes equipes e equipamentos de última geração, mega instalações e tudo mais que imagino ser necessário. Já no caso do psicólogo, são os “atores” que escolhem o diretor e isso faz toda diferença porque são esses mesmos atores que o lançarão em histórias, as mais variadas, únicas e inesperadas. Geralmente são do gênero drama, mas não devemos nos enganar, acontece de tudo e quando somos convidados por eles, há sempre uma expectativa que nós possamos conduzir o roteiro para um final feliz e do tipo “viveram felizes para sempre” e tudo mais. E é neste ponto que ser um bom profissional e manejar muito bem teoria e técnica não bastam, nem para o diretor de cinema e nem para o psicólogo.

Quando falei de sensibilidade e delicadeza entre outras coisas para estar na cena descrita pelo paciente, estava pensando em algo mais que conhecimento teórico-técnico, mais algo como o manejo ético das situações, pois sem isso corremos o risco de nos tornar mais um personagem que se coloca ao lado do “mocinho(a)” ou acabar lutando contra os moinhos de vento, feito Dom Quixote e seu companheiro Sancho Pança ou qualquer outro personagem mais moderno.

O estudo e a reflexão da ética nos permitem construir um olhar e uma escuta das mais refinadas, nos dando leveza e equilíbrio quando o paciente-ator do drama de sua vida nos descrever uma cena onde ele foi agredido e vituperado brutalmente, fazendo-o curvar-se de dor bem diante dos nossos olhos. Nestes momentos a impassibilidade (indiferença à dor ou aos desgostos) não é nem de longe, o que se espera do psicólogo. No caso de algumas abordagens, a neutralidade e a assertividade, muitas vezes, são revestidas dessa impassibilidade. Ao meu ver, a ética permite-nos mantermo-nos firmes diante da dor do paciente, sem nos defendermos atrás de uma frieza técnica e teoricamente justificada. A ética fará com que nos postemos ao lado dele, dentro da cena, como que segurando sua mão, assegurando-lhe nossa presença, permitindo que sinta que fomos sua testemunha.

A ética ajuda a dar um tônus diferente para o vínculo terapêutico. Aqui cabe um pequeno parêntesis para uma definição de ética que a tire da concepção que temos do senso comum, pois, chamamos de ética, qualquer atitude educada que temos. Não que civilidade não esteja incluída na dimensão da Ética, mas quero ressaltar que o que estou propondo como instrumento essencial na prática clínica, exige um conhecimento mais aprofundado dessa área do saber filosófico. Para nos situar, vejamos uma definição do que é Ética num dicionário de filosofia: “No sentido próprio, ética é uma disciplina filosófica cujo objeto são os juízos de apreciação quando se aplicam à distinção do bem e do mal. Teoria geralmente vinculada a uma busca metafísica, distingue-se da moral aplicada”. A partir desta definição, é possível termos uma idéia da amplitude e da complexidade do objeto da ética, pois o bem e o mal são as duas faces do humano e a liberdade é que equilibra as duas, por isso a importância da ética para o trabalho clínico.

Por : Susy de Oliveira Amorim de Campos (29/01/2010)